quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Mudez

Sinto-a ao longe mas os olhos não me deixam saber que é ela. Fico indecisa, tonta, numa perdição tão espontânea quanto os batimentos que quase me partem os ossos com as pancadas. Tenho que ir. Mas porque terei eu que ir Mas vou, salto, corro, corro quase procurando um olhar de reprovação nos que passam que nada me importa. Corro, mas perco-a. Dou duas voltas e perco-a, outra vez. Mais uma vez que na cara me rebentam os tecidos por dentro sem ninguém ver. Sei que estais por ali sempre que chamo porque quando já não chamo é porque sinto que já fostes. E chamai-me o bicho mais patético do universo que não me importa, já nada me importa, eles gozam, riem, brincam e eu, dinossauro pequeno, deixo-me calada porque já nem voz tenho. Pequeno, feio, podre, podre de paixão que dói até dentro das veias, que me tira a paz, serenidade se é o que vedes e não sabeis que rios correm cá dentro, com que fúria, com que correntes turbulentas e param, num de repente que até me rio. Rio, rio muito como se tudo tivesse uma graça doida, tenho cá uma graça doida. Louca, louca, fico louca, estou doida varrida, histérica. Muda numa mudez apaixonada fora do tempo, fora de tempo, longe da terra, do mar, desconcertada do mundo. Sem respirar, não me deixais respirar, presa doida, presa às ruas que já não lhes conheço o rumo. Presa ao não saber estar. Presa à perdição que é procurá-la em cada olhar, canto, janela. Que me fazieis livre, sonhar, dentro do ser-comigo-mais. Assim me fico, farta de me ter e de não saber nem conhecer. Quando tudo o que me escorre pela cara é ir a toda a parte e agora toda a parte é triste, medonha. Medo, tenho medo de sair, de abrir as guelas, bracejar para o mundo inteiro. Medo de rir, rir muito, medo de libertar o que me rebenta cá dentro a não ser para mim que ainda mais preso fica, mais preso fica. Neste texto que aqui tudo fica preso, nada grito, tudo me ferra e eu deixo e contenho a angústia e o furor. Ser só é não saber pedir deixem-me gritar, é pensar estou a arder e saber que estou a gelar, é o coração bater por querer sair aqui para fora para dentro dela. Ser só é a paixão que sou. É correr, correr até ao fim da rua quando sei que lá estais; é fixar um ponto no horizonte a meio de uma mudança de órbita porque a bússola deixou de dar o norte e os reinos me dizem que fostes, dona do meu vestido secreto. E vós continuais, árvores enraizadas, a ouvir o meu silêncio quando o que quero é correr, ir a correr. O problema é não poder correr. O problema é não saber falar. O problema é não queimar o peito. O problema é saber que quero sonhar. O problema é ter que me matar. O problema é cair nos vossos braços sabendo que quero correr. O problema é não existir realmente um problema. O problema é ser mulher. É ter paixão sem ter coração e corpo onde metê-la toda. É ter corpo. É, meu amor, saber correr.

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