quarta-feira, 16 de julho de 2008

vértice

Escrevo na vertical, mas não sou ninguém.
Às vezes escrevo na vertical,
assim
para
baixo,
contudo não tenho nome daqueles que escrevem
na vertical e bem.
Escrevo mal, escrevo o que tenho
e o que não tenho
por ser
triste.
Não triste de ser mais,
de ser demais,
de ser. Triste
de ser triste triste, de nunca ser demais.
Cada um nasce triste à sua maneira
e eu,
escrevo na vertical, por vezes,
não por querer ser triste demais,
mas sim por ser de um triste
que traz na espontaneidade
alguma verticalidade.

ia

Da secura dos lábios alheios,
a mim prendo os movimentos inaudíveis,
como palavras sem cor
e ditongos mal soados.

Trato de ver a simplicidade dos movimentos,
um teatro
mudo sem personagens.
Um cenário seco,
dois tombos de um corpo que mal se levanta

e do corpo já só reconheço o silêncio.
Não é de ninguém,
mas lembra-me
o ditongo dos nossos nomes.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

No silêncio das 4 e tal da manhã:

A minha mamã é o mundo.
É o mundo, e às vezes parece que me esqueço,
parece que me esqueço
quando o mundo começa a ser outro alguém,

esqueço-me que a mamã
continua a ser o mundo
por trás de todos os outros.

domingo, 13 de julho de 2008

As mulheres e os dinossauros

(...)
Na época em que os dinossauros devastavam a terra e das mulheres ressurgia o grito maléfico do âmago inferior, a procriação alimentava-se a si mesma como rima de poesia mal escrita, e ouvia-se bem. Diziam eles que se ouvia bem. Quase não se ouvia e do pouco que se ouvia, ouvia-se com prazer e ainda se matava, como se as rimas não fossem já o prelúdio da matança. Os dinossauros passeavam-se na atmosfera social e não sabiam ainda o que era ser-se. Ai, eu gosto muito de gritar as vestes que a minha mulher traz, nem tenho eu outro prazer que não seja conspurcar-lhe as vestes. Mando-lhe tirar a mesa como se a minha vida dependesse disso e dispo-a quando as marteladas dos gritos não me chegam. Ainda os dinossauros mascavam folhas das nespereiras megalómanas, já o vento corria selvagem em velocidade contemporânea e as portadas das janelas corriam-se num reboliço automático. Ninguém quer saber do vento, ninguém quer saber do que não há mais para consumir em dentadas arrastadas. Os reis guincham com a razão que a mulher não tinha e todos os dinossauros os saúdam. As mulheres preferem o limão maduro e descascado às folhas que eles mascam como se não houvesse amanhã: mas ele há.
Olhai que não tenho outro tema de conversa e se quereis mascar, ide para onde o sol já não nasce e sentai-vos ao fundo das escadas, que ao cimo não chegais. Amanhã nasce um de um ovo de enamoramento. As condições circunstanciais aterram vindas de há um centenário atrás. Pouco te importa ou nada que assim seja. Venha o ovo a nós e das mulheres se retire a roupagem só porque sim: porque me apetece agora. Ai poeta que o teu prisma me enforcou. Mas sou eu um dinossauro sem pele que mastiga os embriões sem fim. E vós a senhora das terras que nunca vendi, porque eles aprenderam a não atacar. Eu tiro a mesa, hoje. Ainda houve tempos em que soube sair da pré-história, enquanto cá estivestes, se ainda vos lembrais. Deixai-me arrastar as muletas para o poço último da secção. Não sei se ainda trago comigo os livros das lombadas nobres, mas se não trago, ainda os tenho. O vosso não tem cor nem capa, nem tratei da paginação. O seu, senhora de todos e de um só, arbitra-me os jogos de pensamentos a torto e a direito. E que gesto de imparcialidade promotora estendeis ao mundo e àquele que me toca. Trama-me o chão, dobra-o, encosta-lhe os medos e prende-me porque me vou sem querer. Sem quereres tu, poeta de uma figa, e eu vou. A idade dos dinossauros carbonizou-se depois de tanto arder no fogo que nunca queimou. E eu lembro-me de quando me traziam a bandeja à mesa e reforçava o café que me estonteava o organismo - tinha eu prazer em engoli-lo impetuosamente, tal como os dinossauros de um antigamente quase recente, como quem não tem satisfações a dar, como vós.

Vai-me comprar fósforos que o mundo se vai a acabar.
(...)

Excerto de A mesa, deixei-a posta de mim

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Mais uma, longa demais

Tu eras o mundo quando as crianças brincavam lá fora
Quando dos pássaros distinguia as melodias que imitava.
Eras o mundo quando a primavera nos cobria de verde
E do verde do céu me surgiam os teus cabelos escuros
Que me enlaçavam a ti e nos visitavam entre os lábios
Colados.

E as noites agora vão longas,
Vai esta, foi aquela,
Longas demais
E encurtá-las, não sou capaz.
Ficaram longas de tanta espera,
Velhas,
Ficam ainda mais velhas
As noites que me disseram Adeus.

quinta-feira, 3 de julho de 2008


quarta-feira, 2 de julho de 2008

Não sei se o que ouço é o que ouço


terça-feira, 1 de julho de 2008

Mi menor que as noites

noites em Mi menor

As ruas guiavam-me ao teu encontro
desde que te vi, desde que vi em ti o meu sonho,
desde que o meu entre começou a sentir
de novo,
algo novo.

Chorava os teus olhos
na inocência que corria em mim.
Chorava o teu olhar no meu
como se, pela primeira vez,
tivesse chorado
e não soubesse que as lágrimas não caem só
pela dor atada, agora, a mi.

Levava-te comigo
em cada segundo que passava,
até teres deixado de andar comigo
(os segundos não passam.)

Cobria os afazeres com a tua presença,
com a tua presença mental e fazia
os afazeres
numa pressa tal
que pouco me importava
porque me importava levar-te
onde mais ninguém te levaria.
Agora já não tenho afazeres.

Se eu soubesse ao menos a minha dor
se a soubesse ao menos ler,
mas dos teus olhos já não me vem
nem o choro de não saber chorar,
a não ser para me desfazer
nas noites em que não sei onde ir.
Já não há que fazer
aqui, onde as invasões me levam
o cerne e o invólucro
da cidade que afinal não tive
porque quando acordei,
já as terras tinham desabado e com elas,
as ruas que um dia pisámos.

Chorava os teus olhos
na inocência que sempre correrá em mim,
não fosse eu a criança que nunca tinha sido,
e aprendi
a tempo de saber chorar-te os gestos.

Da incompreensão das noites,
vai-me mais um espaço de dentro,
vão-me tantos espaços
que já não há espaço lá fora
que me sirva cá dentro.

Das minhas sete vidas,
sete noites mortes.
Duas me restam
até que se me acabem:
sem rima
sem ar
sem choro
sem uma palavra
tua.
Sem o teu olhar.

Sobra uma,
uma,
uma.