domingo, 13 de julho de 2008

As mulheres e os dinossauros

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Na época em que os dinossauros devastavam a terra e das mulheres ressurgia o grito maléfico do âmago inferior, a procriação alimentava-se a si mesma como rima de poesia mal escrita, e ouvia-se bem. Diziam eles que se ouvia bem. Quase não se ouvia e do pouco que se ouvia, ouvia-se com prazer e ainda se matava, como se as rimas não fossem já o prelúdio da matança. Os dinossauros passeavam-se na atmosfera social e não sabiam ainda o que era ser-se. Ai, eu gosto muito de gritar as vestes que a minha mulher traz, nem tenho eu outro prazer que não seja conspurcar-lhe as vestes. Mando-lhe tirar a mesa como se a minha vida dependesse disso e dispo-a quando as marteladas dos gritos não me chegam. Ainda os dinossauros mascavam folhas das nespereiras megalómanas, já o vento corria selvagem em velocidade contemporânea e as portadas das janelas corriam-se num reboliço automático. Ninguém quer saber do vento, ninguém quer saber do que não há mais para consumir em dentadas arrastadas. Os reis guincham com a razão que a mulher não tinha e todos os dinossauros os saúdam. As mulheres preferem o limão maduro e descascado às folhas que eles mascam como se não houvesse amanhã: mas ele há.
Olhai que não tenho outro tema de conversa e se quereis mascar, ide para onde o sol já não nasce e sentai-vos ao fundo das escadas, que ao cimo não chegais. Amanhã nasce um de um ovo de enamoramento. As condições circunstanciais aterram vindas de há um centenário atrás. Pouco te importa ou nada que assim seja. Venha o ovo a nós e das mulheres se retire a roupagem só porque sim: porque me apetece agora. Ai poeta que o teu prisma me enforcou. Mas sou eu um dinossauro sem pele que mastiga os embriões sem fim. E vós a senhora das terras que nunca vendi, porque eles aprenderam a não atacar. Eu tiro a mesa, hoje. Ainda houve tempos em que soube sair da pré-história, enquanto cá estivestes, se ainda vos lembrais. Deixai-me arrastar as muletas para o poço último da secção. Não sei se ainda trago comigo os livros das lombadas nobres, mas se não trago, ainda os tenho. O vosso não tem cor nem capa, nem tratei da paginação. O seu, senhora de todos e de um só, arbitra-me os jogos de pensamentos a torto e a direito. E que gesto de imparcialidade promotora estendeis ao mundo e àquele que me toca. Trama-me o chão, dobra-o, encosta-lhe os medos e prende-me porque me vou sem querer. Sem quereres tu, poeta de uma figa, e eu vou. A idade dos dinossauros carbonizou-se depois de tanto arder no fogo que nunca queimou. E eu lembro-me de quando me traziam a bandeja à mesa e reforçava o café que me estonteava o organismo - tinha eu prazer em engoli-lo impetuosamente, tal como os dinossauros de um antigamente quase recente, como quem não tem satisfações a dar, como vós.

Vai-me comprar fósforos que o mundo se vai a acabar.
(...)

Excerto de A mesa, deixei-a posta de mim

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