domingo, 15 de março de 2009

Salto elástico

A incoerência de palavras martela-me na ponta dos dedos e faz-me mergulhar nas profundezas da minha existência. E existisse eu sem ti e nunca tinha sabido como é. (Bom.) Se nunca tivesse subido as tuas montanhas e bebido do teu rio, se não existisses, nunca ia saber. Que as tuas mãos me agarram o coração que as tuas mãos mo seguram que as tuas mãos me dilatam a esfera armilar e rasgam as fronteiras do universo. As flores brotam-te do peito onde eu semeio os murmúrios jubilosos que me saltam das cordas vocais como notas soltas de um piano velho. E não fosse eu saltimbanco do meu quarto de tecto com janela para o céu, não me pendurasse eu nas estrelas enquanto te vejo do outro lado do Rio dentro do quarto que por fora traz pintado a areia de um mar que é o céu no qual me encontro e te puxo, num dos meus impulsos elásticos. E queria eu que as palavras me fizessem sentido. Soubesse eu dar-lho e soubesse eu gritar ao mundo aquilo que grito dentro de ti quando nos enlaçamos enraizamos árvores vivas com a força dos deuses. As veias saltam-me para fora da planície que é a pele que me veste a carne que trincas e te alimentas de mim, me matas a coerência e a respiração pausada, que a perturbas me perturbas num silêncio tentador. Está calor. Vamos, dá-me cá as mãos.

Os olhos de gato, como tu dizes

Pai, que somos um reflexo

sábado, 14 de março de 2009

Mar da Praia de Vieira



Sequência fotográfica

Sentir

E para que é que precisamos das palavras? Porque é que são importantes? As palavras acabam por ser tão pouco. São apenas um veículo de transporte sem completa competência. Porque é que preciso de falar contigo para que me conheças? Será que preciso realmente de falar seja com palavras escritas ou faladas? Então se não falasse contigo, como é que te ia saber? Pelo tacto, pelo cheiro, pelo som, pelos olhos, pela língua. E conhecer-te-ia tão bem como acrescentando a tudo isto as palavras? E será que te podia conhecer se nunca te tocasse? Ou se nunca te cheirasse? Mas afinal, para que é que falamos e nos tocamos e nos ouvimos? Para sentir. Temos uma necessidade latente de sentir. É mentira? Sentir o outro. Eu sinto-me a mim. E porque é que estamos aqui todos pregados ao centro desta terra? Para nos sentirmos. Para eu te sentir, para tu me sentires. Porque somos seres animados. Se tudo fossem seres inanimados, se tudo fossem pedras e mais calhaus dispersos pela superfície da terra, nunca me ias sentir, se eu fosse uma pedra. Nunca me ias sentir. Porque eu não existiria e nunca estarias a ler isto e nunca irias pensar sequer o que é sentir. E será que te sentias a ti mesmo? Nós temos uma necessidade de nos sentirmos mutuamente. Eu toco-te para te sentir, para saber se sentes e para me sentires. Tu podias nunca me tocar, mas pelo teu olhar eu podia saber alguma coisa do que sentes. Podias nunca me tocar nem ver sequer, mas podia perceber alguma coisa daquilo que sentes pelas palavras que me dirias. Podias nunca me tocar, ser cego, mudo, surdo, mas eu sei que um dia ficaria a saber alguma coisa do que sentes quando visse a tua respiração a acelerar ou a acalmar. Se deixares de fazer tudo, morres, e aí nunca mais vou saber uma ponta daquilo que sentes porque já não sentes. Alguma coisa do que sentes, alguma coisa do que sentes era o que eu ficaria a saber, é o que eu sei, alguma coisa. Não sei O que sentes porque não me parece que algum dia venha a saber exactamente aquilo que sentes tu ou tu ou tu. E tu só vais saber aquilo que tu sentes se eu te tocar, se eu te olhar, se te disser as palavras que correm dentro de mim. Porque precisas de saber o que sinto para aprenderes a sentir. Tal como eu preciso que me digas o que sentes, seja sob que forma for, para eu saber que sinto. E não se trata só de sermos racionais ou não. Eu sei que a minha rã tem medo porque quando alguém se aproxima, ela salta imediatamente para a água. Sei que a minha tartaruga sente vontade de comer quando se lança na água na minha direcção quando me aproximo mesmo que esteja só de passagem. E são répteis, sangue frio. Sentem. Mas eu não sei o que uma pedra sente porque a pedra não sente. Eu posso ser transportada pela aparência da pedra ou do som que ela emite ao fazer ricochete no chão para algo do meu mundo sensível, mas eu não sinto realmente a pedra porque ela não me sente a mim, é inanimada.
As palavras são fundamentais para se sentir, mas ao mesmo tempo são das coisas mais desnecessárias que podem existir. Talvez mais do que os cinco sentidos. Não te posso sentir sem nenhum deles e nunca te poderei sentir completamente nem com todos eles. Há sempre alguma coisa que vai além deles. Porque eles são só transportes, tal como as palavras. São meios que te permitem a ti sentir aquilo que eu sinto. Então porque não partimos directamente para os sentires, sem sentidos, sem palavras? Não sei, é possível?

Eu toco-te e tu sentes que eu te toco. Toco-te porque sinto algo que quero que sintas. Mas não é o toque que tu sentes. Tu sentes o que eu transporto nesse toque, que é o que eu sinto. Mas eu toquei-te porque desta maneira talvez fosse capaz de te mostrar o que sinto. No entanto, o toque não chegou e eu tive que acelerar a minha respiração porque o meu coração ficou pesado com aquilo que te queria fazer sentir. Entretanto sentes já, para alem do meu toque, a minha respiração forte que emite som e, como estou perto de ti, também sentes o meu cheiro que existe para que saibas que sou eu e existe porque te faz sentir algo que mais tarde me vais fazer sentir, seja com as tuas palavras ou gestos, ou sons. Em consequência, sinto-te com a minha língua e recebo aquilo que sentes quando te mostro aquilo que sinto. Meios, meios. Soltas duas palavras porque tentas completar o que me queres fazer sentir enquanto te digo o que sinto. Se tu morresses de repente, matar-me-ias os sentidos porque eu tentaria desesperadamente receber o que sentes enquanto te atafulhava o corpo com aquilo que sinto que tu não irias mais receber. Serias como uma pedra. Poderia um dia pensar que te sentia, não por te sentir realmente, mas porque um dia te senti e tudo teria ficado gravado em mim. Porque um dia havias sido um ser animado e nos tínhamos sentido mutuamente. Ficaria a perda. Porque nunca mais te iria poder sentir nem eu sentir contigo.

As palavras são embrulhos de substâncias que se sentem.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Composição
















































Madeira, 30 x 30 x 4 cm

Fevereiro 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

(Pedaço de algo)

Encosto-me à socapa ao tempo como se lhe fosse pedir: ouve-me. Peço-te que me mates já. Como não pode ser Cada coisa no seu tempo, terei o tempo em que estarei prestes a morrer, um tempo certo em que as funções, se algum dia as cumpri, se vão apagar do meu eterno balanço corporal. Balanço-me sobre o teu peito, sim, o teu, o que me faz querer matar o tempo involuntariamente. Trepo-te pelo tronco acima como se os morangos te crescessem das plantas das mãos que manténs acima do nível da cabeça. Os teus cabelos confundem-me o cérebro, será que estou onde estou onde as tuas mãos rebolam por mim adentro Mas, e os morangos, deixa-me apanhar-tos, deixa-me arrancá-los com a minha boca que se torna, progressivamente, um deserto acima do nível do céu. Parto-me por dentro mas o que quero dizer é que me partes aos bocados e me destronas a força das pernas. Caio-me de joelhos sobre o manto que nos acolhe do relento da casa dos homens que; a rua. Eu quero voar para as montanhas sem fim e onde o rio se funde com o sangue que te dá vida. Amanhã vou emprestar os olhos à morte para me saber atirar. Mais força, mais força que eu emprego aos gestos que embalo sobre o ar. O ar saturado da tua presença que me castra os sentidos num reboliço nervoso. Onde vais Vais aonde te dizem que pertences, onde ainda pertences, onde irás sempre pertencer. Que assim seja, que tenhas sempre onde pertencer. Vais que eu sei que voltas mas não sabes os átomos que de ti ficam debaixo do tecto da rua pedonal. E que esses átomos, restos vivos da tua presença, da tua existência, da nossa confissão, das tempestades atordoantes que me pegam fogo ao tronco cheio de seiva. Ela borbulha, espuma-se numa inquietude inigualável, derreto-me aos poucos. Escorre a seiva fumegante enquanto emite bufos com as borbulhas que se atropelam umas às outras. Vais e voltas que não nos aguentamos sem nos desertificarmos as bocas. Vais e voltas como se as acções não queimassem o tempo. Vens. Encosto-me. Atiro-me. Apanhas-me (?)

terça-feira, 10 de março de 2009

Torneira



Experiência
Sequência fotográfica
(Torneira da Praça da Alegria - Porto)

Laranja

























A laranja que apodrecia. No chão da praça, no beiral da varanda. Laranja citrino ácido, tão doce já fermentado, podre podre. As cascas descascadas que me viste ver, os restos mortais que ficaram dissolutos no meio dos fungos cinzentos verdes que percebi teres visto. Duas laranjas, clementinas, tangerinas que interessa Eram cor de laranja como os raios de sol pintados a lápis de cor. Raios partam as gaivotas altivas Tivesse eu pena das pombas que se mostram quase todas feias velhas escuras sujas pernetas quase mortas, que me sobrevoam como se não existisse, contra mim, contra as barreiras de ar, contra os meus olhos que se baixam quando um reflexo de Raisparta as pombas se forma dentro deles, atrás, lá dentro, onde ainda vejo. As imagens formam-se e deformam-se e eu deito-me com a mão sobre a testa como quem está cansado de ver e quando quer é ver mais, ver para lá da pomba, através da pomba. Mas os olhos das pombas, os olhos das pombas, que hão-de ser como os das gaivotas, mas os das gaivotas, se um dia me dessem olhos de gaivota, que medo, olhar em frente sem ver em frente e ver os lados quando olho em frente quando me apareces e te olho de lado para te ver que estás à minha frente. Poupem-me. Eu não dava, não dava para gaivota. Podia atacas as pombas e matá-las, roubar-lhes a comida e ainda ficar a rir-me entre o manear nobre de arrogância doentia só porque quase pareço um pinguim do Atlântico e me radia a pinta vermelha do bico como os papagaios. Querem ser tudo e não me são nada. Patas de pato, olhos que metem medo e ainda têm mais medo do que o que metem. Já chega de falar destas aves citadinas. Ah sim, porque as gaivotas agora reinam no centro da cidade. Gosto tanto dumas como das outras. São ambas parvas.
Sabes o que eu penso quando vejo gaivotas? Penso em armadilhas estrondosas e que as façam gritar e gritar e assustar e bater as asas numa estapafurdice hilariante. Matar, matar ou não, apanhar, assustar, apetece-me tanto assustá-las quando as vejo. Saber se irão gritar alto e bom som com o susto, ou se se vão ficar como as pombas que levantam voo em bando repentinamente sem piar, que me assustam com o bater das asas. Muitas, assustá-las a muitas, cinquenta gaivotas assustadas num milésimo de segundo a levantar voo esbaforidas presas. Numa tentativa, maléfica tão maléfica, numa tentativa de voar, de se soltar, numa realidade que as prende, por uma pata, uma asa. As penas no ar as penas a saltar os gritos os movimentos bruscos de um arranque de voo empenhado, bicos no ar a bicar o ar a bicar pelo mar, presas presas, a esbarrar umas com as outras, com o chão, como um íman, é o centro que as prende, é a Terra. O mar morreu e o ar vai apodrecer como as laranjas, fungos, cinzas, prende-te à Terra. As cinzas vão ser tudo o que não for terra, vamos queimar, vamos arder, anda, que estás presa, estais presas, todas que sois todas e todos que não vos distingo pinguins cinzentos da boa vida. Vamos arder à superfície quando sois puxadas para o centro, núcleo que mata. Vamos todos ser as chamas e a cinza onde o inferno não existe e o céu também ardeu. Vamos, que a fermentação já acabou, tudo apodreceu. Vamos que já fomos que já fermentámos e nos ardemos sobre a terra e matámos a camada de cima que tinha vida, que já não tem, que já não há vida, já ardemos o combustível salivar todo e o sangue onde nos chafurdámos durante a vida, secou. A vida que ardeu, que nos queimou, matou, A vida mata, já deve ter dito o outro. A vida que foi o espaço de tempo em que a Terra morreu. Adeus, pássaros, que a terra vai absorver toda a vida que há-de matar.

terça-feira, 3 de março de 2009

Sol, que me iluminas; sempre iluminas