sábado, 14 de março de 2009

Sentir

E para que é que precisamos das palavras? Porque é que são importantes? As palavras acabam por ser tão pouco. São apenas um veículo de transporte sem completa competência. Porque é que preciso de falar contigo para que me conheças? Será que preciso realmente de falar seja com palavras escritas ou faladas? Então se não falasse contigo, como é que te ia saber? Pelo tacto, pelo cheiro, pelo som, pelos olhos, pela língua. E conhecer-te-ia tão bem como acrescentando a tudo isto as palavras? E será que te podia conhecer se nunca te tocasse? Ou se nunca te cheirasse? Mas afinal, para que é que falamos e nos tocamos e nos ouvimos? Para sentir. Temos uma necessidade latente de sentir. É mentira? Sentir o outro. Eu sinto-me a mim. E porque é que estamos aqui todos pregados ao centro desta terra? Para nos sentirmos. Para eu te sentir, para tu me sentires. Porque somos seres animados. Se tudo fossem seres inanimados, se tudo fossem pedras e mais calhaus dispersos pela superfície da terra, nunca me ias sentir, se eu fosse uma pedra. Nunca me ias sentir. Porque eu não existiria e nunca estarias a ler isto e nunca irias pensar sequer o que é sentir. E será que te sentias a ti mesmo? Nós temos uma necessidade de nos sentirmos mutuamente. Eu toco-te para te sentir, para saber se sentes e para me sentires. Tu podias nunca me tocar, mas pelo teu olhar eu podia saber alguma coisa do que sentes. Podias nunca me tocar nem ver sequer, mas podia perceber alguma coisa daquilo que sentes pelas palavras que me dirias. Podias nunca me tocar, ser cego, mudo, surdo, mas eu sei que um dia ficaria a saber alguma coisa do que sentes quando visse a tua respiração a acelerar ou a acalmar. Se deixares de fazer tudo, morres, e aí nunca mais vou saber uma ponta daquilo que sentes porque já não sentes. Alguma coisa do que sentes, alguma coisa do que sentes era o que eu ficaria a saber, é o que eu sei, alguma coisa. Não sei O que sentes porque não me parece que algum dia venha a saber exactamente aquilo que sentes tu ou tu ou tu. E tu só vais saber aquilo que tu sentes se eu te tocar, se eu te olhar, se te disser as palavras que correm dentro de mim. Porque precisas de saber o que sinto para aprenderes a sentir. Tal como eu preciso que me digas o que sentes, seja sob que forma for, para eu saber que sinto. E não se trata só de sermos racionais ou não. Eu sei que a minha rã tem medo porque quando alguém se aproxima, ela salta imediatamente para a água. Sei que a minha tartaruga sente vontade de comer quando se lança na água na minha direcção quando me aproximo mesmo que esteja só de passagem. E são répteis, sangue frio. Sentem. Mas eu não sei o que uma pedra sente porque a pedra não sente. Eu posso ser transportada pela aparência da pedra ou do som que ela emite ao fazer ricochete no chão para algo do meu mundo sensível, mas eu não sinto realmente a pedra porque ela não me sente a mim, é inanimada.
As palavras são fundamentais para se sentir, mas ao mesmo tempo são das coisas mais desnecessárias que podem existir. Talvez mais do que os cinco sentidos. Não te posso sentir sem nenhum deles e nunca te poderei sentir completamente nem com todos eles. Há sempre alguma coisa que vai além deles. Porque eles são só transportes, tal como as palavras. São meios que te permitem a ti sentir aquilo que eu sinto. Então porque não partimos directamente para os sentires, sem sentidos, sem palavras? Não sei, é possível?

Eu toco-te e tu sentes que eu te toco. Toco-te porque sinto algo que quero que sintas. Mas não é o toque que tu sentes. Tu sentes o que eu transporto nesse toque, que é o que eu sinto. Mas eu toquei-te porque desta maneira talvez fosse capaz de te mostrar o que sinto. No entanto, o toque não chegou e eu tive que acelerar a minha respiração porque o meu coração ficou pesado com aquilo que te queria fazer sentir. Entretanto sentes já, para alem do meu toque, a minha respiração forte que emite som e, como estou perto de ti, também sentes o meu cheiro que existe para que saibas que sou eu e existe porque te faz sentir algo que mais tarde me vais fazer sentir, seja com as tuas palavras ou gestos, ou sons. Em consequência, sinto-te com a minha língua e recebo aquilo que sentes quando te mostro aquilo que sinto. Meios, meios. Soltas duas palavras porque tentas completar o que me queres fazer sentir enquanto te digo o que sinto. Se tu morresses de repente, matar-me-ias os sentidos porque eu tentaria desesperadamente receber o que sentes enquanto te atafulhava o corpo com aquilo que sinto que tu não irias mais receber. Serias como uma pedra. Poderia um dia pensar que te sentia, não por te sentir realmente, mas porque um dia te senti e tudo teria ficado gravado em mim. Porque um dia havias sido um ser animado e nos tínhamos sentido mutuamente. Ficaria a perda. Porque nunca mais te iria poder sentir nem eu sentir contigo.

As palavras são embrulhos de substâncias que se sentem.

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