Enquanto dormes, aqui ando. Papagueando frases repetidas sem poder dizê-las. Sozinho me rastejo, não fossem as mulheres quem me puxam à vida, não fossem elas a vida. Da meia dúzia que me vestiram a pele, ficou-se uma. Não me governa o mundo por querer, nem sabe ela, nem ela o sabe. Soubesse ela quantas vezes bate a porta. O café já vai fechar. Senhor, não feche já que ainda me faltam preencher três guardanapos com a minha caligrafia apressada. A porta bate de novo enquanto o soldado pousa o cachecol no tampo da cadeira frente à qual se senta. O café já fechou e, de repente, o copo esvazia-se. Mulheres não me governam mais o mundo, dizia ele, sempre que tirava o cachecol quando aparecia para o último chá e o atirava num gesto de impotência contra o tampo da cadeira. O passeio de volta à cama cruzou-nos os passos. Senti-lhe os passos mais atrás e abrandei até que ficámos ombro com ombro a marcar passos pelo passeio fora. Era meia dúzia de centímetros mais alto e começou a falar-me das mulheres enquanto arrancava pele dos dedos. As mulheres que foram, a que ficou. Eu tinha-me penteado tão bem hoje e ela mal me olhou. Ficou, sem saber que ficou e se soubesse, não quereria ficar. O soldado disse até amanhã e nesse momento ela acordou-me os sentidos. Ele disse até amanhã mas eu amanhã vou-me embora. Ela governa-nos o mundo e nem sabemos como entrar em casa. Queria vê-la dormir, somente vê-la dormir - decorar-lhe os traços e ouvir o respirar fundo. Na manhã seguinte descobri os olhos ao soldado. Ele não tinha já vida, mas trazia o olhar de quem a beijou vezes sem fim, na contemplação do seu sono.
sábado, 27 de dezembro de 2008
Menino:
Não é o que te faz triste que me entristece
porque só tu o sentes,
mas a tristeza que tu sentes
faz-me sentir a tristeza
que é para mim
sentir-te triste.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Colhi-as do céu para ti.
Hoje as estrelas brilham como não mais brilharão. Todos os dias elas brilham como nunca houveram ou hão-de brilhar, é certo, mas hoje há menos umas poucas no céu – colhi-as. Em breve reconstituir-se-ão e à infinidade da sua existência irei colher mais umas poucas para lhe dar. Hoje os meus braços prendem-se nos dela porque assim os vejo e assim lhos guardo, no meu abraço. No nosso abraço de mil braços, de muitos braços, de oito braços, não importa quantos - o medo de te sentir triste, a alegria de te ver sorrir e te podermos tocar: fora e dentro, onde a vida nos corre pelos mesmos corredores. Já és mais crescida do que nós e de ti colhemos um pouco de tudo. De ti colhemos o sol e a ti retribuímos o calor e a iluminação, pelo menos assim tentamos. E gostamos. Por isso entramos e bebemos do chá que nos fazes enquanto as palavras se nos soltam e as conversas se propagam pela noite que resolvemos acarinhar só porque o teu nome nela estava escrito.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Home
Considerações de início de madrugada...
Ultimamente tenho pensado sobre a minha casa. Onde é a minha casa? Falta-me. Talvez saiba onde fica, em quem fica, mas por ora resta-me a impossibilidade de nela entrar. Tenho que esperar até que a porta abra de novo para me acolher.
A minha casa não tem que ser a casa onde fisicamente me deito todos os dias. Não é. Sei que implica um alguém porque eu só, não sou casa. A minha casa, a verdadeira casa, é metafísica. Não basta que ela me agrade estruturalmente nem que tenha determinados objectos – é a minha porque eu sinto nesse espaço que me agrada que me pertence e que vivo nela. Amanhã essa casa poderá não me pertencer como o meu corpo lhe pertence empiricamente – talvez como um stand by – o objectual fica à espera que o volte a sentir como meu e vital para mim e isso dependerá sempre da forma como estou a sentir a casa – o objectual é como um complemento físico na construção do mundo.
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Espaço metafísico por palavras
O meta-espaço é um espaço que vai para além do que implica directamente o corpo físico. Ele não existe efectivamente no que respeita às sensações físicas. Existe no mundo de cada um, é sentido pelo corpo inteligível que, consequentemente, pode transmitir ao corpo físico mensagens concretas desse espaço, fazendo-o parecer, quase por engano, real – real por poder ser sentido empiricamente. O contrário pode também ser válido, aliás, pode até ser compreendido mais facilmente do que o caso anterior. Ou seja, do meta-espaço surge uma experiência física que transporta automaticamente para o campo mental um ambiente recriado, irreal. Deste modo, o objecto marcante passa a ser uma distorção desse mesmo espaço, interpretado segundo a vivência de uma determinada pessoa até ao dado momento. É, por si só, desprovido de emoções, pelo que nunca é aquilo que realmente é – puramente físico. Nós construímo-lo dentro do nosso mundo individual e, segundo o que apreendemos e compreendemos, passamos a considerar que, entre as quatro paredes que o poderão delimitar, há toda uma existência. O espaço só é espaço porque contém as nossas percepções, sem que as contenha concretamente.
(...)