Enquanto dormes, aqui ando. Papagueando frases repetidas sem poder dizê-las. Sozinho me rastejo, não fossem as mulheres quem me puxam à vida, não fossem elas a vida. Da meia dúzia que me vestiram a pele, ficou-se uma. Não me governa o mundo por querer, nem sabe ela, nem ela o sabe. Soubesse ela quantas vezes bate a porta. O café já vai fechar. Senhor, não feche já que ainda me faltam preencher três guardanapos com a minha caligrafia apressada. A porta bate de novo enquanto o soldado pousa o cachecol no tampo da cadeira frente à qual se senta. O café já fechou e, de repente, o copo esvazia-se. Mulheres não me governam mais o mundo, dizia ele, sempre que tirava o cachecol quando aparecia para o último chá e o atirava num gesto de impotência contra o tampo da cadeira. O passeio de volta à cama cruzou-nos os passos. Senti-lhe os passos mais atrás e abrandei até que ficámos ombro com ombro a marcar passos pelo passeio fora. Era meia dúzia de centímetros mais alto e começou a falar-me das mulheres enquanto arrancava pele dos dedos. As mulheres que foram, a que ficou. Eu tinha-me penteado tão bem hoje e ela mal me olhou. Ficou, sem saber que ficou e se soubesse, não quereria ficar. O soldado disse até amanhã e nesse momento ela acordou-me os sentidos. Ele disse até amanhã mas eu amanhã vou-me embora. Ela governa-nos o mundo e nem sabemos como entrar em casa. Queria vê-la dormir, somente vê-la dormir - decorar-lhe os traços e ouvir o respirar fundo. Na manhã seguinte descobri os olhos ao soldado. Ele não tinha já vida, mas trazia o olhar de quem a beijou vezes sem fim, na contemplação do seu sono.
sábado, 27 de dezembro de 2008
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A ausência de palavras
ResponderEliminardiz, necessariamente muito
quando não existem palavras
que nos acudam
a esta falta de jeito
em que me deixaste
os braços, que
agora fracos
beberam esse
mundo do
soldado,
é prova
da tal
ausência
de palavras
que me tira o ar
quando te leio e me (te?)sinto,
simultanemannte