quinta-feira, 29 de maio de 2008

( )

Eu não chego. Nunca. Eu sei que me visto todos os dias, sei que me levanto, que me pranto, agora. Nas vestes que ainda tenho para despir hoje, há restos de ternura que se me derretem, como a chuva que me apanhou há umas horas. Que descaem, restos, de encontro aos lábios já humedecidos. Ainda que o cansaço do mais que sol-a-sol me prenda os ossos, ainda resisto ao pranto de criança - mais queria eu deixar-me adormecer debaixo das estrelas. Soubesse eu resistir. Soubesse eu ser mais do que aquilo que sou. Soubesse eu crescer do olhar. Não sei, nunca soube e não pergunteis porquê. Poeta - jamais o seria. Pecador de um raio – cada um tem as suas malditas virtudes, impressas em páginas sem limite de palavras, sem limite de podridão. Eu devolvo à peste cada virtude, tão real, devolvo cada uma delas, apodrecidas. Tão maduramente malditas, tão inevitavelmente desfeitas. Virtudes do meu tronco que servirá para lenha, ainda hoje, ainda hoje. E dentro dele não reside todo o vácuo que poderia residir. Existe todo um pomar em decomposição: a fruta que não vendi.
Ranhoso, o nariz com que mal cheiro. Ranhoso da chuva, dos pés empoçados. Da pedra de encosto do que pareceu metade de uma tarde. E agora, que vos interessa saber disto? Disto e daquilo e de nada. Que me interessa a mim continuar a empoleirar palavras dentro de gotas…

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Que as ruas já não chegam,










Trevos...

Escolho trevo de três pétalas porque os de quatro não me aparecem. Também não os quereria eu, já que a quarta nos causaria transtorno. Olha. Olha que me estico para o lado, olha que me emerjo pelos montes que trazes aos pés. Embrulho-me nas secções dos nossos cantos, do jardim que nos acolhe em tempos de chuva e em tempos de ternura. Embrulho eu, toda a tua dor, toda a desvontade que ainda libertas, por entre as chagas de pólen ou de simplicidades arbitrárias, embrulho eu, tudo o que trazes de fome e cru, tudo cru e tudo em demasia, tudo que te arde, não de calor, mas de raiva. Meu amor. Tudo que te rebenta no centro do tronco e que eu embrulho num papel, em trinta papéis, em papéis feios e bonitos, papéis que nada importam, que guardam tão somente aquilo que se te verte do peito ardido. Ele foi ter com ela. Ela é uma cabra, amor. Ela não é como nós, amor, nunca será. E embrulho-a, também. Embrulho-a tão bem embrulhada, com tanta fita cola, daquela grossa, amor, para que não se escape. Quero empacotar tudo como se mudássemos de casa, como se fossemos para a nossa casa, amor. Empacotar tudo com cuidado e eficácia. Mas não levo os pacotes no carro, não levo. Estes deixo-os ali fora, à minha porta para que os homens do lixo os venham buscar daqui a três quartos de hora. Embrulho o lixo que te rasga e me faz ver-te assim. Ela merece, amor. Eu vou rasgar o embrulho dela, vou rasgá-lo agora. Olha. Olha que me estico de tal forma que os braços quase se me desencaixam. Embrulho-me neste acto tão vil e tão inocente. E, amor, já vais…

domingo, 18 de maio de 2008

E outro que dizia assim:

Cansaço sobre cansaço
Me faz render ao espaço,
Me faz sentir a calma na excessividade.
Interno que não é nada, mas que lhes parece ser tristeza.

passivo-...

Havia nele instalado,
no braço que me erguia,
a presença dissimuladora do trago
da noite que me perseguia

Tentei vir de longe como árvore,
estender os dias como vida,
como sustento da evolução dos seres
interpolando o olhar da energia.

Vitorioso, armado de negro
corpo sem dor, leve e cego.
Contestai, agora, impostores da vergonha
que o vosso medo já não se estranha!

Ao chão, que se mexe pela cidade líquida,
escrevo nas minhas pernas sentadas,
desprovidas do surro que me forma,
a impureza ferrugenta das espadas

sábado, 10 de maio de 2008

Tudo a assistir!