quinta-feira, 29 de maio de 2008

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Eu não chego. Nunca. Eu sei que me visto todos os dias, sei que me levanto, que me pranto, agora. Nas vestes que ainda tenho para despir hoje, há restos de ternura que se me derretem, como a chuva que me apanhou há umas horas. Que descaem, restos, de encontro aos lábios já humedecidos. Ainda que o cansaço do mais que sol-a-sol me prenda os ossos, ainda resisto ao pranto de criança - mais queria eu deixar-me adormecer debaixo das estrelas. Soubesse eu resistir. Soubesse eu ser mais do que aquilo que sou. Soubesse eu crescer do olhar. Não sei, nunca soube e não pergunteis porquê. Poeta - jamais o seria. Pecador de um raio – cada um tem as suas malditas virtudes, impressas em páginas sem limite de palavras, sem limite de podridão. Eu devolvo à peste cada virtude, tão real, devolvo cada uma delas, apodrecidas. Tão maduramente malditas, tão inevitavelmente desfeitas. Virtudes do meu tronco que servirá para lenha, ainda hoje, ainda hoje. E dentro dele não reside todo o vácuo que poderia residir. Existe todo um pomar em decomposição: a fruta que não vendi.
Ranhoso, o nariz com que mal cheiro. Ranhoso da chuva, dos pés empoçados. Da pedra de encosto do que pareceu metade de uma tarde. E agora, que vos interessa saber disto? Disto e daquilo e de nada. Que me interessa a mim continuar a empoleirar palavras dentro de gotas…

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