quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Esquecer

Queria ser terrível e esquecer o amor.

Esquecer que preciso dele para escrever,

escreva a sua presença ou ausência.

Queria não conseguir pensar sequer –

não imitar os deuses,

não imitar o calor dos corpos

nem o castigo dos mortos.

Queria esquecer

que um dia tive que nascer para poder morrer.

Esquecer

que um dia tive que amar para poder perder

aquilo que tenho hoje como espaço negativo,

sumido.

Queria esquecer o amor e deitar-me na rua do colchão despido.

Ouvir o que o ar me diz

e não o que o peito me martela – amor.

Ouvir aquela que passa agarrada ao vento

e copiar-lhe os traços em movimentos aéreos.

Esquecer que me bato,

que me existo e existir

somente para poder sentir.

Queria ser terrível e matar o amor como ele me mata a mim.

Ser capaz de comer pele sem que me comam o peito.

Terrível, terrível.

Comer as rosas

sem espetar os espinhos.

Comer garfos e facas sem pensar

que cortam e picam,

sem pensar que um dia me vão desarmar,

sem pensar.

Quero comer até esfaquear.

Quero partir e consumir

e partir.

Mas eu não consigo partir depois de consumir.

Que terrível que é partir antes de ter chegado.

Partir para ser lembrado.

Esquecer que o amor é para os grandes

e ficar cá em baixo, amando.

Mas não, eu não amo

e terrível é a minha espera,

agora consciencializada.

Esperar que nunca me peçam a pele e eu queira dar o mundo.

Espero a sua pele e o mundo.

Espero, terrível.

Espero a pele sem facas,

somente.

Quero saber esperar somente a pele

e esquecer o meu peito esfaqueado.

Esquecer o meu peito,

morto ou não,

esquecê-lo.

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