quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Soldado soldado

Bebo as tuas palavras da tua boca como se fossem um copo de água no deserto ardente que mata. Ardes-me cá dentro sem queimar e matas-me a sede. Avivas-me a sede, matas-ma e voltas a restaurá-la cada vez que te encontro sem te poder tocar. O soldado voltou a nascer, das cinzas já gélidas da neve que lhe tinha caído em cima. Os seus olhos fundos fundos, densos de quem olha e vê, já não viam por não haver que ver e assim se foi. Tinha visto e tinha deixado de poder ver. Agora a cinza levantou-se brasa e dos novos troncos secos espreitou a chama que arde caminhante infinita. Ardes-me, tu, no estômago que não aceita senão água, nas mãos que já não são só minhas, nos pulsos fraquejantes que se tentam endireitar para te agarrar. O soldado levantou-se e pegou no cachecol com dificuldade, não lhe estivesse a vista perra depois de tanto tempo morto de olhos abertos, secos e planos. Brancos, cinzentos de quase podre. Fechou as pálpebras com esforço e sentiu o toque dela, entre as gotas de orvalho que se tinham fixado nas pontas dos dedos. Evaporaram assim que lhe tocou na pele quente e fresca, num vapor visível e perfumado. Matas-me os medos quando está escuro. Não abro já os olhos porque estão a humedecer com o tempo. Assim as percepções são mais nítidas, dos restantes sentidos. Agarro-te, agarro-te, agarro-te como se te fosse perder. Espera –

parece que já não ouço aquilo que tu não emites. Parece que não ouço o mundo a gritar nem as crianças chorar. Eu parei-lhes a dor com o teu interior. Tu paraste-me o monstro com a tua voz, os sufocos com o teu toque. Trazes-me os arrepios e o tempo. Trazes o tempo no bolso e nem te dás conta. Vens e vais, sem ir, trazes o tempo mudado, o tempo mudou, sabias, o tempo muda, tu sabes como muda. O soldado já não vai à guerra, mas dá e leva. Dá aquilo que leva porque o dar e o levar se fundem no ser e o soldado não vai à guerra mas voltou a ser: comalguém. Contíg(u)o.

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